quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sã Consciência

Sou uma mulher de meia idade
muito embora ninguém nunca tenha dito
de quantos anos é feita uma idade inteira
Uma mulher que deflora o tempo,
o divide ao meio, transita por suas infinitas passagens
e que aprendeu a extrair o seu poder anestésico e cicatrizante
Manuseio o tempo, mantenho-o em lugar seco, arejado
E o sorvo em forma de Alquimia.

(Extraído do livro “O Adestrador de Sentimentos” de Stella Tavares
Publicado em Março de 2007)
Quando dispo de tudo que me foi imposto, descubro-me mulher feita e reverencio minha alvenaria exposta. Só então me reconheço e respeito o barro de que sou feita adicionado a sangue, veias e digitais que são tão minhas! Inconfundíveis! Intransferíveis! E que me lembram a cada instante que sou única, criada por um Deus que sabe ser soberano sem impor sua vontade. Bendita sabedoria que deu a cada um o seu traçado, Não consigo existir pesada de influências, exigências que não são minhas.
Tão mais fácil é viver com o que se acredita, com o que se sabe, dentro de uma história escrita de próprio punho. O que se espera de nós normalmente fere a nossa essência, desvirtua e faz entristecer os nossos olhos.

Stella Tavares
Relato escrito em 30.04.09

sexta-feira, 24 de abril de 2009

UM MERGULHO PROFUNDO

Sempre fui chegada a um mergulho profundo. Acredito que tenha nascido assim, mas não recomendo. Pelo menos por alguns dias adoraria viver na superfície, sem raízes profundas. Se o dia-a-dia me bastasse já me daria por satisfeita. Em minha infância, quase fiquei submersa, perdida em meio à tamanha profundidade, complexidade. Portadora de uma liberdade emocional e criativa intensa e não aproveitada. Era acometida por sentimentos que pulsavam, latejavam, tiravam-me do prumo em completo desnorteio. Não conseguia bom rendimento escolar, detestava números e via as paredes da sala de aula como intransponíveis barras de ferro que me continham a contra gosto. Debatia-me, implodia. Um vulcão em ordem inversa, como se voltasse o filme de uma erupção.
É escrevendo que me descubro, me encontro, me localizo, me situo. Em cena aberta. É escrevendo que me harmonizo, me organizo. Era isso que não sabia na minha infância. Ah, os benefícios que o tempo traz! Quando me desnudo sem pudor frente a uma folha em branco lapido os meus sentimentos, adestro-os, aprendo a conviver com eles, deixando que se manifestem livremente. Guiando-os e não mais sendo levada por eles. Voando com eles, permitindo suas formas, dando a eles liberdade ampla, irrestrita para que se manifestem. Canalizando-os, criando sulcos para que escorram e, somente assim conseguimos conviver em plena harmonia: As palavras, os sentimentos e eu.

O SENTIDO DAS PALAVRAS.

Palavras sempre funcionam como um passaporte que me conduz a lugares que nunca fui. São amortecedores, evitam impactos e atritos. Apaixono-me por elas e não necessariamente pelos seus significados. A palavra que mais me encanta é MOVIMENTO. Encanta-me pelo som e também pelo significado. Dá uma sensação de renovação, de aglomeração, de bons resultados. Quando se faz um movimento em prol de alguma causa normalmente obtém-se bom resultado. Lembra-me também um passo de dança, a resposta da água quando se atira pedrinhas no lago. Acabei de carimbar o meu passaporte e a palavra movimento já me conduziu a todas essas imagens. Quando crio um personagem as palavras se multiplicam, salpicam, mesclam quase como um mosaico. São palavras do personagem e não minhas. São eles que me conduzem, eles próprios desenvolvem suas histórias, seus desfechos. Em alguns trechos até encontro minhas digitais pelo texto, afinal fui eu quem escreveu, mas várias vezes já fui surpreendida por eles. Assim como Júlia, a personagem principal de “No convés do tempo” muitas vezes nos misturamos, nos transfundimos, mas ela sempre vence nossas semelhanças e apresenta-me suas peculiaridades. Enquanto escrevia No convés do tempo, andei em companhia de Júlia por todos os caminhos, visitei sua casa, sua infância, sua cidade, permaneci ao seu lado até quando ela entrou em vida vegetativa. Acompanhei-a vida a dentro e ao mesmo tempo permaneci junto ao seu leito, aguardando ansiosa por algum MOVIMENTO.

QUEM SEMEIA PALAVRAS COLHE SENTIMENTOS

Sinto-me extremamente feliz enquanto escrevo. Quando saio do computador sinto-me recompensada e agradeço a Deus pelo livre acesso. Um único pensamento às vezes, embota-me os olhos: quem escreve não o faz para si. Queria que minhas palavras corressem
pelos quatro cantos do mundo, meridianos e paralelos. Chegassem a lugares onde eu, talvez, nunca consiga conhecer. Se você que agora lê o que escrevo encontrou algum sentido no que eu disse, leve consigo minhas palavras e ajude-me a semeá-las. Pode acreditar, quem semeia palavras colhe sentimentos.

Stella Tavares